Uma jovem que passou seis anos presa preventivamente no Rio Grande do Sul morreu apenas 74 dias após ser inocentada pelo Tribunal do Júri. Damaris Vitória Kremer da Rosa, de 26 anos, não resistiu às complicações de um câncer no colo do útero, descoberto enquanto estava encarcerada. Ela foi sepultada na última segunda-feira (27), no Cemitério Municipal de Araranguá, em Santa Catarina, onde vivia com a família.
Damaris foi presa em agosto de 2019 sob acusação de participar do homicídio de Daniel Gomes Soveral, ocorrido em novembro de 2018, em Salto do Jacuí, no Noroeste gaúcho. À época, o Ministério Público afirmou que ela teria ajudado a planejar o crime e atraído a vítima até o local da execução. A denúncia alegava que Damaris mantinha um relacionamento com Daniel com o objetivo de facilitar a emboscada.
Além dela, outras duas pessoas foram investigadas: Henrique Kauê Gollmann, então namorado de Damaris, apontado como autor do disparo que matou Daniel e condenado pelo júri; e Wellington Pereira Viana, que chegou a ser preso, mas foi absolvido durante o processo.
A defesa sempre sustentou que Damaris não participou do planejamento e apenas relatou a Henrique ter sido estuprada pela vítima. Em reação ao relato, ele teria cometido o crime e ateado fogo ao corpo de Daniel sem o conhecimento ou participação dela.
Sintomas
Durante os anos em que esteve presa, Damaris relatou seguidos episódios de sangramento vaginal e dores intensas no ventre. Laudos médicos apresentados à Justiça indicavam uso de medicamentos e tentativas de atendimento, mas pedidos de revogação da prisão foram negados. Pareceres do Ministério Público afirmaram que não havia comprovação de doença grave, classificando os documentos como “meros receituários”.
Somente no fim do processo, já debilitada, ela recebeu diagnóstico de câncer no colo do útero. Em fevereiro deste ano, Damaris foi absolvida e deixou a cadeia. Contudo, o tratamento teve início quando a doença já estava em estágio avançado. Dois meses depois, ela não resistiu.
Mãe de Damaris fala sobre a filha
Em depoimento, a mãe de Damaris, Claudete Kremer Sott, fala que a filha “se mordia de dor”, sofrendo silenciosamente dentro das unidades prisionais onde estava custodiada.
Para a mãe, a filha era uma jovem cheia de planos: “ela dizia: ‘Mãe, eu não vou desistir. Quero realizar meus sonhos, meus projetos’.” Mesmo cumprindo prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica, após diagnóstico tardio de câncer, Damaris conservava o desejo de reconstruir a vida.
Claudete ainda relatou as condições do presídio como degradantes: “Baratas caminham por cima das camas, por cima dos alimentos. Quando chove, a gente fica na chuva.” A afirmação lança luz sobre o ambiente em que a jovem passou os anos enquanto aguardava julgamento.
Em sua última despedida, a mãe testemunhou um gesto de alívio da filha: “Ela abriu os olhos, olhou pra mim e deu um suspiro de alívio. Eu disse: ‘Vai com Jesus. Daqui a pouquinho, a mãe vai encontrar com você.’”
Defesa do Tribunal de Justiça do RS
“O Tribunal de Justiça não se manifesta em questões jurisdicionais.
Com relação ao caso, foram avaliados três pedidos de soltura.
O primeiro em 2023, que foi negado pelo magistrado da Comarca, pelo TJRS e STJ em sede de recurso.
Quanto ao segundo pedido, em novembro de 2024, em que a defesa da ré alegava motivo de saúde, a decisão aponta que os documentos apresentados eram receituários médicos, sem apontar qualquer patologia existente e sem trazer exames e diagnósticos.
Em 18 de março de 2025, a prisão preventiva da ré foi convertida em prisão domiciliar, sendo expedido alvará de soltura. A decisão foi motivada pelo estado de saúde da ré, diagnosticada com neoplasia maligna do colo do útero, necessitando de tratamento oncológico regular.
Ainda em março de 2025, foi autorizada a instalação de monitoramento eletrônico, conforme ofício expedido ao Instituto Penal de Monitoramento Eletrônico.
Em abril de 2025, a ré iniciou tratamento combinado de quimioterapia e radioterapia no Hospital Ana Nery em Santa Cruz do Sul, sendo posteriormente transferida para o Hospital Regional em Rio Pardo.
Em 09/04/2025, foi concedido parcialmente o pedido da defesa, autorizando:
a) a transferência e cumprimento de prisão domiciliar com monitoramento eletrônico por tornozeleira;
b) a permanência na residência da mãe da ré, em Balneário Arroio do Silva-SC; e
c) o deslocamento da ré até o Hospital São José em Criciúma para consultas e tratamento oncológico.
Em agosto de 2025, foi realizado o julgamento da ré pelo tribunal do júri, quando ocorreu sua absolvição pelos jurados.”
Defesa do Ministério Público do RS
“Na primeira oportunidade em que foi informada nos autos a doença da ré, não houve comprovação desta informação. Mas, a partir do momento em que a defesa fez o segundo pedido de liberdade, alegando e comprovando a doença, a ré foi, então, solta.”




